Tráfico de animais silvestres moveu R$ 7 bilhões no Brasil em 10 anos



O Bom Dia Brasil mostra esta semana a crueldade e o desrespeito à vida das quadrilhas que fazem o tráfico internacional de animais silvestres. As quadrilhas desafiam as autoridades e alimentam um mercado lucrativo e criminoso.

Centenas de animais, muitos em risco de extinção, são capturados diariamente, e muitos acabam morrendo antes de chegar ao destino final.

Em dez anos, quase seis milhões de pássaros foram comercializados no país, um mercado que movimentou R$ 7 bilhões na última década.

A reportagem é de Carlos de Lannoy, Mahomed Saigg, Junior Alves e Felipe Wainer.

Uma pequena armadilha, uma simples arapuca. “Como esses animais são territoriais, o macho vai atrair o outro. Se ele pousar aqui, desarma a armadilha”, afirma.

O Ibama diz que o tráfico de aves começa com caçadores que capturam e escondem as aves em depósitos improvisados no meio da mata.

Agente: Tem arma em casa?
Homem: Arma? Não.

O fiscal encontra três armas – todas carregadas – e dezenas de curiós, canários, coleiros, trinca-ferros e dois periquitos. As gaiolas estão sujas, os animais, amontoados, falta comida: sinais de maus-tratos.

Deraldo Gomes dos Santos diz que mora no local e nega envolvimento com o tráfico.

Repórter: Passarinho que canta não vale muito dinheiro?
Homem: Um curió custa mais de R$ 2 mil, não é isso. Eu não vendo passarinho, eu tenho passarinho para me divertir dentro de casa. Abre a porta, só o que eu tenho é uma televisão, uma geladeira e pronto, e os passarinhos cantando.

Os fiscais identificam cada uma das aves. É um trabalho minucioso que só termina no início da noite. As gaiolas viram uma imensa fogueira.

Preso em flagrante, Deraldo foi levado para Santanópolis, a 160 quilômetros de Salvador, mas os agentes encontram a delegacia fechada e recebem a informação de que a cidade está sem delegado. “O que acontece é que é que a gente saindo do município não existe garantia que uma delegacia de outro município vá receber. Então ele vai ser liberado e a gente vai encaminhar a denúncia para o Ministério Público”, explica o agente federal do Ibama Roberto Cabral Borges.

A impunidade é a regra. Comerciantes ganham dinheiro oferecendo animais livremente em feiras do interior.

Produtor: Posso dar uma olhadinha?
Vendedor: Pode.
Produtor: Está quanto ele?
Vendedor: R$ 50.

Em um mercado de Feira de Santana, na Bahia, homens, mulheres e até menores vendem passarinhos…

Produtor: Canário está quanto?
Vendedor: R$ 40.

… macacos…

Produtor: Tem quantos aqui?
Vendedora: Três. É porque é pequenininho, é próprio para criar mesmo.

… e papagaios por encomenda.

Produtor: Papagaio eu consigo aqui?
Vendedor: Consegue.
Produtor: Quanto é?
Vendedor: Mas é mais difícil de achar.
Produtor: Mas, quanto o papagaio?
Vendedor: R$ 400, depende do papagaio.

Milhões de aves são capturadas todos os anos no Brasil. A maioria, segundo o Ibama, cai na mão de traficantes que alimentam um mercado estimado em cerca de R$ 7 bilhões. Ver um periquito rei voltar para a natureza é um privilégio. Chega a ser emocionante.

Um estudo do Ibama apontou que a exploração das aves que tem o dom de cantar é uma das principais causas de perda da biodiversidade no país, e os pesquisadores chegaram a uma surpreendente constatação: a criação legalizada vem contribuindo com o tráfico de animais silvestres.

“Fiscalização do Ibama, a gente veio olhar o plantel dele de passarinho. Abre a casa por favor”, afirma um agente.

As irregularidades atingem parte dos 400 mil criadores autorizados no país. Segundo o Ibama, cada um possui em média 20 pássaros, o que dá um total de aproximadamente 8 milhões de aves em cativeiro.

A inspeção em um criadouro de Feira de Santana dá a dimensão do problema: eles checam notas fiscais, medem o tamanho e conferem os números das anilhas de cada passarinho.

O problema é que o Ibama autoriza apenas uma anilha por animal. Para aumentar a quantidade de animais, os criadores falsificam anilhas com a mesma numeração e, para não levantar suspeitas, trocam esses animais entre si. Ou seja, a mesma numeração pode estar espalhada em mais de um criadouro, com diferentes passarinhos, dando uma aparência de legalidade a um animal capturado de maneira criminosa.

“Esses trinca-ferros aqui, você tem as anilhas todas falsificadas. Nenhuma dessas anilhas daqui são anilhas do Ibama. Isso significa que todos esses animais aqui foram capturados na natureza e inserida a anilha neles para acobertar”, explica um agente do Ibama.

Um responsável tem uma estante carregada de troféus. São títulos conquistados em torneios de canto de pássaros, atividade muito comum no Brasil. Ele admite que participa do comércio de aves entre criadores, o que é ilegal.

Inspetor do Ibama: Esses pássaros você comprou aonde?
Proprietário dos pássaros: A gente vai comprando na mão de criador. Um vai passando para o outro, vai passando para o outro.

O criador de Feira de Santana disse que trouxe aves de Belo Horizonte e Recife.

O Ibama diz que aves muito valorizadas no Brasil acabam sendo vendidas para os Estados Unidos e a Europa. A principal rota de entrada é Portugal. Aranhas, insetos e répteis são enviados até pelos Correios.

A jiboia princesa diamante, uma espécie rara de pele branca e olhos negros avaliada em US$ 1 milhão, foi levada para os Estados Unidos em 2011. O americano que comprou a jiboia informou que ela morreu no cativeiro.

“Ele já foi processado nos Estados Unidos, e atualmente as negociações estão para repatriamento dos filhotes desse animal. Ele informou que o animal morreu. Nós temos dúvidas em reação a isso, porque temos alguns vídeos que tratam esse animal como se ele ainda estivesse vivo”, afirma um agente do Ibama.

No Brasil, as aves apreendidas pelo Ibama, que não têm condições de se readaptar à natureza, são levadas para centros de triagem de animais silvestres. As demais são libertadas e fazem o trabalho de fiscalização valer a pena.

“Cada passarinho que a gente resgata, cada animal que a gente resgata, ver o animal voltando a voar, ver a alegria do animal de recuperar a liberdade. Isso vale a pena”, comemora o agente do Ibama.

Fonte: G1

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