Apesar de o tratamento para a leishmaniose visceral canina ser permitido na Europa e em vários outros países do mundo, no Brasil, a discussão é antiga e provoca polêmicas. Segundo a liminar nº 677, expedida em outubro de 2013 pelo Supremo Tribunal Federal, os tutores de cães infectados pela doença têm o direito de tratá-los. No entanto, uma portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), diz que o procedimento não pode ser feito com medicamento humano nem com produto importado. Essas são as únicas formas de cuidar do animal doente. “Esses medicamentos não estão disponíveis no país. E não podem ser importados por não serem registrados no MAPA. Portanto, a portaria é totalmente contraditória”, explica o advogado Arildo Carneiro Junior, da ACJ Advocacia e Consultoria Jurídica.
Diante de tantas controvérsias, em janeiro de 2013, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou a vigência da portaria do MAPA, em resposta a uma ação movida pela ONG Abrigo dos Bichos, do Mato Grosso do Sul. “Com esse entendimento do tribunal, o tratamento pode ser feito através de autorização judicial, já que há precedentes”, explica o advogado. Segundo ele, a maior conquista, no entanto, é que os animais contaminados não podem mais ser recolhidos e mortos pelos centros de controle de zoonoses das cidades. “Desde que o tutor tenha interesse em tratar o animal, ele tem o direito de buscar todos os recursos para fazê-lo”.
O que muitos desconhecem é que os verdadeiros vilões da doença, que afeta tanto humanos quanto animais, não são os cães, mas sim o mosquito-palha. De difícil combate, ele se reproduz em locais onde existe abundância de material orgânico, como folhas, frutos, fezes de animais, entulhos e lixo. Além disso, ele é hemofágico, ou seja, se alimenta do sangue de humanos e animais, incluindo galinha, porco e cavalo. A doença também é transmitida de humano para humano. Para isso, basta que o mosquito infecte alguém e, em seguida, pique outra pessoa.
No Brasil, a grande discussão, no entanto, gira em torno da morte induzida dos cães infectados, e não exatamente do combate efetivo ao vetor. “Os cães são o reservatório para que a infecção se perpetue e, mesmo após o tratamento, continuam sendo fonte de transmissão”, diz o médico epidemiologista Unaí Tupinambás. Em contrapartida, a morte induzida é contestada por especialistas que garantem que a matança de cães não diminui o índice de contágio da leishmaniose. E afirmam que, dos 88 países do mundo onde a doença é endêmica, o Brasil é o único que utiliza a morte dos cães como instrumento de saúde pública.
“A leishmaniose visceral tem controle, tem tratamento eficaz e, portanto, não é necessário optar pela morte induzida do animal, exceto em casos específicos”, explica o veterinário Leonardo Maciel, da clínica Animal Center. Precursor do tratamento da leishmaniose visceral canina em Belo Horizonte, há 20 anos o médico estuda a enfermidade e garante que a campanha feita pelo poder público incentivando a morte dos cães contaminados, como forma de controlar a endemia, surtiu efeito contrário. “O tiro saiu pela culatra. A campanha foi totalmente ineficaz e provocou pânico na população. Hoje, nossa cidade é uma das que mais sofrem com a doença no Brasil. Isso porque inúmeros animais foram abandonados nas ruas, sendo contaminados e se tornando transmissores, e, ao mesmo tempo, se reproduzindo”.
Como o vetor da doença permanece presente nos ambientes não dedetizados, os novos cães adquiridos para suprir a falta dos que foram perdidos acabam sendo contaminados e, consequentemente, mortos ou abandonados. “Definitivamente, o problema da leishmaniose não é o cão, e sim o mosquito”, afirma Maciel.
Enquanto a importação de medicamentos veterinários como o Glucantime – indicado para o tratamento da leishmaniose canina – não é liberada, os tutores seguem fazendo de tudo para salvar seus animais. “A doença é um tabu que precisa ser quebrado. Se é para combater algo, vamos combater sua origem, que é o mosquito-palha”, diz a empresária Márcia Resende Carvalho. Em 2003, a empresária comprou uma briga com o poder público para poder tratar o poodle Nicolau. “Lutei muito para que ele não fosse morto e consegui. Ele viveu bem por muitos anos até falecer por outros motivos. Temos o direito de tratar nossos animais”.
Fique por dentro
Leishmaniose – também conhecida como calazar, a contaminação em seres humanos e animais ocorre através da picada da fêmea do mosquito Lutzomyialongipalpis, mais conhecido como mosquito-palha ou birigui
Sintomas no ser humano – febre prolongada, perda de peso, falta de apetite e aumento do fígado e baço. Se não tratada a tempo, a leishmaniose visceral tem alto índice de mortalidade em pacientes imunodeficientes portadores de doenças crônicas
Sintomas no cão – lesões de pele, perda de peso, descamações, crescimento exagerado das unhas e dificuldade de locomoção. No estágio avançado, o mal atinge fígado, baço e rins, levando o animal ao óbito
Prevenção
Fazer a retirada de qualquer tipo de material orgânico como folhas, fezes de animais, entulhos e lixo, onde o mosquito possa se reproduzir. A borrifação química é fundamental em áreas endêmicas
Uso de repelentes, coleira própria contra a leishmaniose, vacina específica, higienização do animal e do ambiente
A vacina Leishmune, aliada a outros métodos preventivos, reduz a chance de contaminação do animal e enfraquece o protozoário em cães já contaminados, diminuindo a chance de transmissão
Tratamento
O custo médio do tratamento é de R$ 1 mil, variando de acordo com o peso do animal. Inclui sessões de quimioterapia, feita por meio de medicação venal aplicada através de soro, e medicação oral. Exige o comprometimento do tutor em seguir as orientações veterinárias à risca, com realização de checape periódico e manutenção de alimentação específica com baixo teor de proteína.
Fonte: Encontro
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