"A somatofobia é uma doença na qual o sujeito revela que os demais que o rodeiam nada mais são do que objetos que ele posiciona na cena para lá e para cá, a seu bel prazer, para atender apenas aos seus impulsos fóbicos. E esses, geralmente, na mente somatofóbica, são impulsos destinados a agregar mais força ao sujeito, que se nutre de suas vítimas até exaurir nelas a chama da vida. Mulheres vítimas da somatofobia e seus animais de companhia e estima sabem perfeitamente do que estamos tratando aqui. O que não ensinamos ainda, a todos, é como livrar-se das garras da mente somatofóbica, pois o próprio somatofóbico também não aprendeu como livrar-se de seus impulsos somatofóbicos. Ninguém lhe ensina isso na família somatofóbica, na escola somatofóbica, na sociedade somatofóbica."
Sobre a relação entre violência contra humanos e contra animais, somatofobia, escrevi três artigos há uns cinco anos, publicados na Pensata Animal. São artigos que resultam de uma pesquisa à qual dei início no ano de 1993, portanto, há vinte anos. Hoje é um dos temas dos meus estudos, que, se concluídos a contento, serão transformados em livro sobre a violência contra os animais de qualquer espécie, humana e não-humana.
A somatofobia (do grego soma = corpo, matéria; e phóbos = aversão, hostilidade, horror, medo) é uma patologia moral de fundo estruturante, que leva o sujeito insatisfeito a concluir que qualquer ser vivo à sua volta que não atenda a seus impulsos ególatras merece ser punido fisicamente, chegando essa punição até mesmo ao assassinato. Essa patologia responde pela violência doméstica, a violência que o agente desencadeia sobre os corpos de quem vive em sua intimidade familiar, não fazendo distinção entre os corpos da mulher, das crianças e dos animais detidos no lar para companhia, guarda ou estima.
Esse tema ainda é tratado de forma incipiente em nosso país. Quando a ANDA noticia episódios de maus-tratos aos animais, seja na rua ou nos domicílios, a maior parte dos comentários supura ódio ao agente somatofóbico, sem que alguém jamais tenha se dedicado à literatura que trata da questão há mais de vinte anos nos países de língua inglesa. O assunto é sério. De uma gravidade que aqui sequer se imagina.
No território estadunidense, cientes de que o abuso contra o corpo de qualquer animal é indício de uma patologia grave, o governo inclui todo abusador de animais na lista de psicopatas que precisam ser observados cautelosamente. A polícia passa a monitorar a vida de qualquer humano que tenha maltratado animais, pois sabe que um abusador de animais é um somatofóbico insatisfeito que abusará, maltratará ou mesmo matará qualquer animal, quero dizer, um animal de qualquer espécie, incluindo a humana, assim que seus desejos e impulsos forem contrariados por alguém. A forma de expressão da frustração e do próprio fracasso, nos indivíduos somatofóbicos, é a agressão contra aquilo que eles julgam dever ser punido por contrariar sua vontade: o corpo de alguém indefeso ao seu ataque, de alguém próximo, acessível. Esse corpo quase sempre é o da mulher, da criança, do cão ou do gato, detidos no domicílio do somatofóbico.
Aqui no Brasil ainda acham que abusar de animais é algo inofensivo… cultural… algo de humanos ignorantes. Não é. A maldade não tem objeto determinado, nem se manifesta apenas em pessoas ignorantes. Também pessoas altamente instruídas podem ter a estruturação psicológica e moral somatofóbica. Basta lembrar o caso da enfermeira, mulher de médico, que espancou sua cadela por três dias até que a vida fosse eliminada daquele corpo. Nesse caso, a somatofobia é direcionada contra o corpo de quem contraria a vontade do indivíduo insatisfeito. Geralmente ela se manifesta claramente no âmbito doméstico.
Como, no entender da mente somatofóbica, o corpo dos outros tem que atender aos desejos e interesses do eterno insatisfeito, e, convenhamos, isso é algo que não acontece 24 horas por dia durante todos os dias do ano ou todos os anos da vida desse indivíduo, ele faz o que pode para destruir esse corpo que não lhe obedece, que não se submete ao seu poder ególatra.
Não interessa ao somatofóbico se o corpo que resiste ao seu impulso e não atende seus comandos é o de um gato, um cão, uma criança, a companheira, a avó… Somatofobia é doença grave. Chamamos no senso comum de maldade. É doença moral grave. Precisa de tratamento para refazer os circuitos do raciocínio que, quando saudável, permite ao sujeito compreender que os demais seres vivos ao seu redor não estão aí para atender a qualquer impulso seu, a qualquer ordem sua, a qualquer comando seu, ou para satisfazer qualquer carência sua.
Cada ser vivo está aqui neste planeta para viver sua vida. Nesse viver pode ser que seja possível construir vínculos de amor que resultem em troca, enriquecendo ambos os lados. Mas o amor não pode ser brandido com armas na mão. As armas são dilacerantes. Elas desfazem os fios que ligam os seres amados aos seus amantes. Isso vale para humanos em sua interação com os não-humanos.
A somatofobia é uma doença na qual o sujeito revela que os demais que o rodeiam nada mais são do que objetos que ele posiciona na cena para lá e para cá, a seu bel prazer, para atender apenas aos seus impulsos fóbicos. E esses, geralmente, na mente somatofóbica, são impulsos destinados a agregar mais força ao sujeito, que se nutre de suas vítimas até exaurir nelas a chama da vida. Mulheres vítimas da somatofobia e seus animais de companhia e estima sabem perfeitamente do que estamos tratando aqui. O que não ensinamos ainda, a todos, é como livrar-se das garras da mente somatofóbica, pois o próprio somatofóbico também não aprendeu como livrar-se de seus impulsos somatofóbicos. Ninguém lhe ensina isso na família somatofóbica, na escola somatofóbica, na sociedade somatofóbica.
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