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A equipe de cientistas – liderada por Elizabeth Murchison, da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e da qual participa o veterinário Andrigo Nardi, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) – estuda há dois anos o genoma do TVT, um dos dois tipos de câncer transmissível conhecidos. “Alguns cânceres têm componente hereditário. A grande diferença do TVT é que ele sofreu uma mutação no passado e, em vez de morrer no animal, adquiriu o comportamento de transmissibilidade. Ele não é passado de geração em geração, mas sim pelo contato”, explica o veterinário Paulo Tabanez. Ele diz ainda que o TVT é um tumor maligno, que pode se deslocar de um órgão para o outro. No entanto, esses casos são raros.
A doença foi citada na literatura pela primeira vez em 1820 e descrita de forma mais detalhada em 1904. Durante 110 anos os estudos pouco avançaram. Elizabeth e sua equipe deram um grande salto na compreensão do mal. A análise do DNA do tumor indicou que os cânceres vieram todos de um único cão, que viveu, segundo estimativa, há 11.368 anos, muito antes da dispersão das raças pelo mundo.
Relógio molecular
Para o sequenciamento do genoma foram colhidas amostras do tumor e do DNA de dois animais, um na Austrália e um no Brasil. A análise revelou que os tumores compartilhavam quase 2 milhões de mutações de células somáticas, número 100 vezes maior que a carga média encontrada em anomalias humanas. “Ficamos fascinados com esse tumor, porque é o câncer mais velho a sobreviver continuamente na natureza. Estávamos ansiosos para usar esse genoma e saber mais sobre a origem e a história da doença”, conta a cientista ao Estado de Minas.
As amostras foram comparadas com as de um banco de dados com o DNA de 1.106 cães, lobos e coiotes. A idade estimada do câncer foi feita por análise de um tipo de mutação, uma espécie de “assinatura mutacional”, associada à idade do paciente, no caso o cão doente. Essa assinatura é um tipo de relógio molecular correlacionado ao número de mutações e à idade do câncer. A análise levou à estimativa de que o câncer apareceu há cerca de 11 mil anos em um cão de uma alcateia pequena, na qual os cães cruzavam entre si.
Esse animal tinha DNA de lobo e de cachorro e devia se parecer muito com o malamute-do-alasca, que apareceu há 4 mil anos na Ásia Oriental. Essa raça e o husky siberiano seriam os parentes mais próximos do portador original da mutação. No entanto, o DNA é mais semelhante ao do malamute. Os cientistas sabem até que o cão original tinha porte grande ou médio, com pelos curtos e retos e uma “manta” preta ou marrom nas costas. As orelhas eram eretas e a cabeça fina e alongada – descrição que lembra o malamute, mas pode corresponder a qualquer cão de grande porte do tipo spitz.
Além do TVT, o único exemplo de tumor transmissível conhecido é um que afeta a face do diabo-da-tasmânia, identificado em 1996 e conhecido pela sigla DFTD. Essa doença se espalhou rapidamente pelos animais da espécie, sendo muito mais agressivo que o TVT. Elizabeth, que cresceu na Tasmânia, conta que está interessada em sequenciar mais tumores transmissíveis caninos para compreender melhor a evolução e a propagação da doença.
Duas perguntas para…
Andrigo Barboza de Nardi, professor da Unesp e colaborador do estudo
Andrigo Barboza de Nardi, professor da Unesp e colaborador do estudo
1 – Esse é realmente o câncer do mundo natural mais antigo que se conhece?
Sim, a estimativa é de que essa célula tenha se originado há 11 mil anos, o que levou à ocorrência do tumor e à transmissão para outros cães em todo o mundo. No Brasil, a incidência de TVT já foi bem maior, mas graças a métodos efetivos de tratamento e à redução de animais com livre acesso à rua esse problema diminuiu.
2 – Qual é a importância de entender a origem e o genoma desse tumor?
São inúmeras. Uma célula que foi capaz de sobreviver durante 11 mil anos com certeza apresenta características especiais. Estudando que mecanismos permitiram a sobrevivência por tanto tempo dessas células ajudará a entender melhor as outras neoplasias que ocorrem em cães e até mesmo as que ocorrem em humanos.
Fonte: Em
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