Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados para investigar maus-tratos contra animais no País com 103 deputados inscritos, duas leis federais, mas nenhum órgão governamental para fiscalizar e validar alternativas ao uso de animais em pesquisas científicas. Aproximadamente 200 projetos de leis relacionados aos bichos engavetados na Câmara e no Senado. É este o cenário do Legislativo em torno do assunto de proteção aos animais, em um momento em que o Instituto Royal é investigado por maus-tratos a 178 cachorros da raça beagle retirados de um de seus laboratórios, o de São Roque (SP), por ativistas, no último dia 18.
Na Câmara, a Frente Parlamentar de Defesa dos Animais tenta, desde julho, instaurar uma CPI que investigue maus-tratos a animais e, com o caso Royal, espera-se que a Casa a instale nos próximos dias. Dentre os deputados inscritos está Acelino de Freitas, o ex-boxeador Popó, que usa a sua página no Facebook para postar fotos ao lado de pessoas fantasiadas de cachorros com uma placa nas mãos "pelo fim de testes com animais".
"Há um desinteresse pelo tema, eu demorei sete meses para colher assinaturas para a criação da Frente em Defesa dos Animais, quando normalmente leva algumas semanas", disse o deputado Ricardo Izar (PSD-SP). Caso a CPI seja instalada, duas leis basearão os trabalhos: a 9.605, aprovada em 1998, contra crimes ambientais, e a 11.794, de 2008, conhecida como Arouca. A primeira institui pena de três meses a um ano – além de multa – para os que violentarem animais. A Lei Arouca especifica que cientistas não podem usar cobaias para seus testes se eles puderem chegar ao mesmo resultado com métodos alternativos.
O problema, segundo especialistas ouvidos pelo DC, é que nenhuma das leis deixa claro qual ministério fica encarregado da fiscalização, que ora é atribuída ao Ministério do Meio Ambiente ora ao Ministério da Ciência e da Tecnologia. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) chegou a mencionar na última quarta-feira a falta de clareza da legislação e falou em "revisão das normas".
Para ONGs e biólogos, a lei só restringe o uso de animais em pesquisas e não proíbe. "Não podemos ter o pensamento de poder usar animais em algumas situações. Eles não são nossos escravos, é uma questão moral, ética", afirmou o biólogo Luis Marini, que compara a situação dos animais à situação dos negros escravos no século 18.
Já existe no País uma determinação que rejeita maus-tratos e o uso de animais em laboratórios, mas ela ainda é projeto de lei. E quem assina o chamado Código Federal do Bem-Estar Animal, em tramitação na Câmara há sete anos, é o deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB-SP). Ao DC, sua assessoria explicou que no começo, o código do animal passou por três comissões diferentes, mas depois, por causa de sua abrangência, a Casa criou uma comissão especial para analisá-lo.
Para o ministro da Ciência e da Tecnologia não há necessidade de revisar a lei Arouca nem a de 1998. "Se os especialistas da área acham que não é possível fazer uma determinada pesquisa, desenvolver determinado medicamento contra o câncer, para a evolução dos cosméticos ou para que finalidade for, se necessário, eu sou favorável que se utilize os animais", disse o ministro Marco Antonio Raupp, que condenou a ação criminosa ao Instituto Royal.
Alternativas aos bichos existem, mas são inviáveis no Brasil.
Acabar com testes em animais, por mais que parlamentares defendam e discutam, é inviável hoje no Brasil. É o que disse Marcelo Morales, um dos secretários da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
"É inviável usar alternativas, porque elas são pouquíssimas no país Brasil." Ele acrescenta que se for proibido o uso de animais " a saúde da população e o desenvolvimento da ciência estarão em risco" e os brasileiros ficarão dependentes de "tecnologia externa".
"É claro que nós, cientistas, queremos parar de usar animais, mas hoje a ciência não avança sem o uso de cobaias", disse ele.
Para o biólogo Luis Martini o modelo é usado porque "é fácil de manipular" e os resultados são muitas vezes ineficientes. Ele propõe o uso da Epidemiologia, ciência que estuda as causas e efeitos de doenças no ser humano. Alguns cientistas defendem essa área como eficaz para pensar em tratamentos para a saúde pública.
Custos e alternativas – Segundo Octavio Presgrave, coordenador do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), o custo de uma pesquisa com animais sai, em média, 70% mais cara do que uma baseada em métodos alternativos.
Quando se fala em permeação, irritação cutânea e testes para analisar a eficácia de medicamentos, como a insulina, o uso de animais, hoje, é totalmente descartável, mas não foi no passado.
Um dos métodos alternativos já usados no Brasil é a pele constituída, usada para testar irritação com cremes e o desenvolvimento de um novo sistema in vitro para analisar inflamações derivadas da meningite. A pele construída é vendida em um kit com validade de dez dias pelos Estados Unidos e Europa. O problema do kit é que ele tem validade de dez dias e quando chega ao País acaba parado na alfândega para averiguação e perde a validade. É o custo Brasil.
Um dos projetos que ainda está em fase experimentação é a criação de células epiteliais humanas em cultura como um novo modelo de estudo da doença de Huntington.
Mas nenhum deles é atestado pelo governo federal porque não há órgão que os valide.
O pedido de criação deste órgão – que funcionaria como uma espécie de Inmetro – foi feito neste ano pelo BraCVAM ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Conceia), órgão responsável, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
"O processo de validação consiste em identificar as alternativas, coordenar e validar", explicou. "O problema é que o Concea precisa aprová-lo".
Segundo George Guimarães, presidente da ONG Veddas, a falta deste órgão abre brechas para irregularidades. "Se você entra com uma ação contra um instituto de pesquisa, a primeira justificativa da defesa será que usou animais porque não existem métodos validados pelo governo."
Segundo George, existe uma cultura pró uso de animais em laboratórios. E, para ele, o lobby é grande e difícil de quebrar.
Produtos podem vir com selo anticobaias
Empresas deverão informar nas embalagens de seus produtos se eles foram ou não testados em animais. É o que prevê, entre outras coisas, o projeto de número 217, o chamado Código Federal de Bem-Estar Animal, de autoria do deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP). Ele está tramitando na Câmara Federal há quase sete anos.
Segundo a assessoria do deputado informou ao Diário do Comércio , a demora se dá pela amplitude do Código e, por isso, achou-se melhor criar uma comissão especial para julgar o mérito do projeto– se não, ele teria que tramitar ainda por quatro comissões diferentes na Câmara dos Deputados.
Caso ele já tivesse sido aprovado e sancionado pela Presidência, os laboratórios que não usassem animais em testes receberiam benefícios ou incentivos fiscais e exibiriam, nos rótulos das embalagens de seus produtos, a expressão "produto não testado em animais". Em contrapartida, as empresas que optarem por testar os produtos em animais também teriam de trazer essa informação nos rótulos.
A ONG Pense Bicho é uma das entidades que defendem o projeto de Tripoli. Em nota divulgada no site, ela fala em "falta de transparência" das empresas. "Embora muitas digam que não utilizam mais animais em seus testes, a falta de transparência é evidente".
Para a ONG, o consumidor é importante na "luta contra os maus-tratos" e usos de cobaias em laboratórios. "Precisamos da ajuda de todos, entre eles o consumidor mais consciente, que precisa estar atento aos produtos que consome".
Nos Estados Unidos, a entidade internacional Peta (em inglês, Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) disponibilizou a sua marca para empresas que queiram informar aos seus consumidores que ela não usa cobaias para testar os produtos.
A ONG foi criada em 1980 e já tem mais de dois milhões de membros no mundo. Um dos slogans do grupo é "Animais não são nossos para comer, vestir, usar em experiências ou para entretenimento".
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