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Boletim da Arca Brasil - Abril 2010 - http://www.arcabrasil.org.br/noticias/1004_superpopulacao.html
Especial: Superpopulação e abandono.
Oficial: Cresce o número de animais abandonados
Acompanhe a primeira matéria do especial da ARCA sobre a situação dramática que atinge grandes centros urbanos.
“Pelo amor de Deus, tem um animal atropelado parado em frente a minha casa. Alguém pode recolher, fazer alguma coisa?”; “A minha vizinha morreu, quem pode ficar com os 10 cães e os 5 gatos que ela criava?”...;
“O CCZ de SP não recolhe mais animais, apenas em casos de mordedura com vítima atendida em pronto socorro municipal, invasão de locais públicos (ex. escolas, hospitais) ou se o animal está em estado terminal em espaço público”;
“Por estarmos enfrentando muita dificuldade, decidimos deixar definitivamente de alimentar a ‘ilusão do abrigo ideal’” - sobre o fechamento do abrigo Quintal de São Francisco (SP) após 50 anos de existência.
As situações acima aliadas ao número crescente de pedidos de ajuda e denúncias que chegam a ARCA Brasil diariamente confirmam a gravidade desse momento. Mas o que está acontecendo? O que não deu certo? O que há por fazer? Qual é o papel dos governantes? Qual é a importância dos protetores independentes e ONGs? As leis vigentes estão funcionando ou são meros instrumentos eleitorais? Os donos de animais têm cumprido seu papel? Questões fundamentais que não podem se perder no furacão que cerca todo esse imenso problema.
Histórico
O nascimento dos grandes aglomerados urbanos durante a Revolução Industrial do século XVIII e XIX, intensificou o contato humano com os cães e gatos e favoreceu a proliferação descontrolada dos chamados “animais de companhia”. Desse aumento significativo, nasceu o dilema: o que fazer com os “excedentes”, considerando o risco da transmissão de doenças, entre elas a raiva? A morte foi a resposta. Nos EUA, na década de 70, 12,5 milhões desses animais eram mortos a cada ano.
No Brasil não foi diferente. A política de captura e extermínio foi intensa, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Atualmente não é a raiva que sentencia a morte os cães no país, hoje o perigo é a grande falta: falta de controle populacional, falta de educação para posse responsável, falta de políticas públicas e falta do cumprimento das leis. Uma equação cujo resultado será sempre descontrole e abandono.
Observar a 4º maior cidade do mundo, São Paulo, ajuda a entender – e talvez prevenir – o que acontece no resto do país. Com uma população estimada de 11 milhões de habitantes, ocupa a 10ª posição no ranking das mais ricas do mundo. Mesmo com tanto dinheiro, conta com um único Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), órgão que deve cumprir políticas preventivas como vacinação, registro, castração, educação, etc. para uma estimativa de 1,6 milhões de cães no município. Com uma população humana quase dez vezes menor (1,6 milhões), a cidade de San Diego (EUA), possui 3 agências de “controle animal” (similar ao CCZ). Seria muito pedir mais uma ou duas unidades por aqui? É isso que a ARCA e outras entidades tem feito há mais de uma década, com o apoio de vereadores ligados a questão.
Segundo Rita Garcia, Coordenadora Executiva do ITEC (Instituto Técnico de Educação e Controle Animal), o número de animais cresce junto com o da população humana, o mesmo se aplica aos problemas relativos a esse aumento. “Enquanto não existir uma política de impacto para atender essa demanda que é enorme, o problema não vai diminuir”.
Ou seja, o fenômeno pet, que inseriu o cão e o gato no seio familiar, não foi acompanhado por uma estrutura pública que previna e muito menos resolva o drama da superpopulação e do abandono. A Anfalpet (Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Animais de Estimação) estima que em 2010 o Brasil terá 33 milhões de cães e 17 milhões de gatos domiciliados. Mas afinal, quantos irão parar nas ruas ou gerar crias indesejadas?
Não precisa ser matemático para concluir que certas contas não fecham. A pergunta é: a principal cidade da América Latina consegue ou não lidar com o problema dos animais errantes?
Olho do furacão.
A cidade de São Paulo, analisada nessa reportagem, conta com uma lei ambiciosa que exige que todos os animais vendidos ou doados sejam castrados (Nº 14.483/07). O despejo de filhotes não esterilizados por comerciantes inescrupulosos, aliado ao impulso da compra, a raça da moda, o gesto de presentear alguém com um bichinho, etc. engrossam esses números que só tendem a crescer.
Para fiscalizar tal lei, a protetora Izolina Ribeiro criou o grupo Esquadrão Pet. “Nem pets shops de shoppings são fiscalizados, imagine os criadores de fundo de quintal! Mesmo assim continuo a insistir e denunciar”, alerta Izolina. “O que a desanima é que nem o cadastro proposto para fiscalizar os criadores de animais foi criado até hoje”.
Outra lei em vigor, dessa vez cobrindo o todo estado paulista (Nº 12.916/08), do deputado Feliciano Filho, veta a eutanásia de animais sadios pelos órgãos de controle de zoonoses e canis públicos. “O CCZ precisa agora manter 350 animais por um período indeterminado, além de controlar outras áreas, como a de animais sinantrópicos (pombo, ratos, morcegos, etc), com a mesma verba” questiona a Dra. Maria de Lourdes Reichmann, pesquisadora do Instituto Pasteur. Segundo ela, o “no kill” tupiniquim acirrou a irresponsabilidade da sociedade. “As pessoas passaram a abandonar mais, motivadas pelo fato de que o CCZ não pode mais matar”, afirma a Dra. Maria de Lourdes.
Para quem encara o problema diariamente, a impressão é a mesma. “É evidente que o abandono só aumenta. As pessoas sabendo que não existe mais a tal carrocinha, jogam na rua mesmo. Quando comecei chegava um ou outro e-mail sobre resgate de filhotes, hoje são sempre filhotes de baciada”, desabafa a protetora Izolina.
“Em um cenário com tantas carências e paixões, corre-se o risco de um discurso polarizado, onde é mais fácil apontar “o bom” e “o mau”. Cabe ao CCZ cumprir leis, trabalhar a prevenção e por outro lado, cabe ao cidadão ser menos negligente.”, conclui Marco Ciampi, presidente da ARCA.
As cifras impressionam. Segundo uma fonte do próprio Centro, em menos de 1 ano foram registradas mais de 22 mil solicitações de recolhimento, por diferentes motivos. Até o número de mordidas cresceu. No começo do ano, de acordo com o Datasus, foram registrados no estado de São Paulo 100 mil ataques de cães em 2009, uma média de 11 por hora. A panela de pressão está cada vez mais quente...
Existe remédio?
Tentando evitar uma explosão, estão aqueles incapazes de ficar indiferentes quando passam por um ponto de ônibus e vêem um animal encolhido, desnutrido ou ferido. As “cachorreiras”, como são chamadas, vivem correndo por todos os cantos, organizando e-mails e pedidos de ajuda, para tentar minimizar o problema ou “enxugar gelo”, como elas mesmas dizem. Talvez seja um iceberg.
Mesmo pessoas bem intencionadas dão sinais que não agüentam mais segurar uma barra tão pesada. Um dos abrigos mais antigos da cidade, o Quintal de São Francisco, anunciou que fechará suas portas ainda esse ano.
Em entrevista para Revista Veja SP, a responsável pela ONG, Ângela Caruso, disse que o local passa por dificuldades financeiras há algum tempo e não consegue arcar com os R$20 mil mensais que precisa para se manter. São mais de 250 animais a procura de um novo lar.
Estudos apontam que o equilíbrio entre mortes e nascimentos é atingido quando 70% da população de cães e gatos é castrada. Alguns atribuem a missão de chegar nesse número ao poder público e outros alegam que ele não tem estrutura para isso. O EUA faz da economia de mercado seu diferencial e incentiva uma saudável competitividade. Nesse país, não só ONG’s e agências ligadas ao governo, mas veterinários particulares criaram clínicas onde é possível castrar o animal a preços reduzidos com técnicas eficazes e sem pós-operatório.
A ARCA Brasil, reconhecida como uma das maiores articuladoras dessa questão, lançou em 2004 o Programa Veterinários Solidários. O projeto apresentado no Congresso Mundial de Veterinário, em julho de 2009, acredita na força desse profissional como aliado para erradicar as crueldades e reduzir o sofrimento que atinge os animais, uma iniciativa sem precedentes em países em desenvolvimento.
Felizmente, a discussão do controle da fertilidade de cães e gatos – mais ético, humano e menos custosos para o poder público – já chegou ao Congresso Nacional, por meio do projeto de lei 4/2005, autoria do deputado paranaense Affonso Camargo (PSDB-PR) que institui uma política de controle da natalidade desses animais em todo o país. Tal projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Reduzir a população de cães e gatos abandonados é uma luta que absorve a maior parte dos esforços e recursos de entidades de proteção dos animais mais próximos do homem. Pesquisas e inovações no campo da prevenção da natalidade já trazem resultados promissores, como a esterilização química para cães machos, produto lançado inclusive no Brasil.
A solução não virá por um decreto, mas de uma grande mobilização de consciências e conhecimentos. Incluindo a conscientização da sociedade, menos demagogia e mais atitude das autoridades, e castração segura por um valor muito menor que as conseqüências de uma procriação indesejada.
Fonte: http://www.arcabrasil.org.br/noticias/1004_superpopulacao.html
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